Monday, September 19, 2005

Você quer ser admirado? Por que?

Você quer ser admirado? Por que?

Alessandro Bender


Já que um sem-número de pessoas preenche pesquisas de comportamento (a maioria para ver no quadrinho final se ela está num grupo que possa ser considerado "normal"ou "aceitável"), resolvi oferecer uma pequena reflexão neste sentido:

Você quer ser admirado? Por que?

Vou restringir um pouco nossa conversa para não ficarmos divagando sobre o monte de ramificações que o Sucesso ou o Fracasso podem ter.

Você vai se sentir realizado quando tudo o que você falar ou fizer as pessoas adorarem, ou acharem incrível? Muitos querem ser admirados, raras são as pessoas que não querem que os outros gostem delas. No fundo, mesmo as pessoas que fazem de tudo para serem odiosas e insuportáveis também estão querendo ser admiradas. Duplamente até: Pela negação. Uma vez Orlando Villas Boas, famoso indigenista já falecido, me contou que em várias tribos do Araguaia o Feiticeiro faz de tudo para ser execrado pela aldeia toda.
Fazendo uma análise simplificada, é como se ele quisesse chamar a atenção pela rejeição, destacar-se por ser o oposto do que as pessoas esperariam dele. Na adolescência muitos passaram por isto: Querer ser contra, mesmo não sabendo exatamente contra o quê. Antagonismo na busca pelo Protagonismo.

Mas digamos que não seja este o seu caso. Que você deseja ser admirado, querendo que as pessoas enalteçam seus comentários, suas idéias e atitudes. Dentro desta situação, temos duas vertentes:
1 - Você quer ter idéias brilhantes, quer crescer profissionalmente, emocionalmente e espiritualmente. Quer que o que sai de sua mente, do seu coração e de suas ações seja tão bom que esteja acima da média do que acontece no mundo, ou:
2 - Você quer que as pessoas te admirem tanto, mas tanto, que mesmo que você faça ou fale qualquer besteira todo mundo resolva bater palmas, atônitos de tal maneira com sua grandeza pois simplesmente perderam o senso crítico e acham tudo que vem de você maravilhoso.

Repare que o resultado é praticamente o mesmo, mas o fator gerador é totalmente diferente. Na primeira, há algo de legítimo e "nobre", por assim dizer. O crescimento pessoal, emocional, espiritual ou profissional (ou todos juntos) levaram o indivíduo a estar num plano superior, uma referência para a raça, alguém que todos admirem pelos méritos alcançados a preço de trabalho, reflexão, desenvolvimento ou qualquer coisa que envolva uma evolução pessoal. Hoje você é melhor do que você já foi, e parece que a cada dia melhora.
No outro caso, é a glória em si que embala o sucesso. São ecos de um sucesso do passado, um acaso do destino, uma posição obtida pela sorte dos astros que colocou a pessoa em evidência que agora usufrui indefinidamente de seu status e prestígio.

É importante lembrar que quando falo em usufruir indefinidamente de prestígio obviamente o faço por razões enfáticas. É exagero, sabemos que nenhuma glória sobrevive eternamente. Mas para quem observa, quem está de fora, a sensação é de que aquilo nunca acabará. Um pouco como nos relacionamos com nossa vida: Achamos que os outros morrerão, menos nós. E isto funciona às avessas quando vemos as glórias de nosso ponto de vista exterior, quase como um sentimento de inveja. Como se o sucesso dos outros fosse eterno, e o nosso, fugaz.

Este é outro fator a ser considerado: Se você for admirado por uma razão ou por outra, isto mudará alguma coisa no olhar daquele que inveja aquilo que você obteve? Porque mesmo que você obtenha uma número expressivo de pessoas que te admirem, sempre existirão os despeitados, os incomodados com qualquer sucesso que você obtenha.

Uma pergunta a mais: quais são as razões pela qual deseja ser admirado? Por que, ora pois, é tão importante que as pessoas fiquem batando palmas para você? Que suas palavras sejam respeitadas ou enaltecidas?
Podemos, sem risco de perda, ter uma importante função neste mundo sem que ninguém nos admire. Muitas vezes pessoas realmente importantes fazem o que ninguém gostaria que fosse feito, ou que talvez muitos odeiem, mas que seja necessário ser realizado.
Mas existe o contrário também.

Veja o caso dos políticos, ou apresentadores de televisão. Estão tão atentos à variação de seu prestígio que muitas vezes deixam de fazer mudanças fundamentais em seus programas para que eles sejam realmente bons.
No caso dos apresentadores, temos um exemplo interessante de inocuidade nas tentativas de agradar a todos. Nos últimos anos, a SBT e a Globo travam uma luta interminável por audiência nos domingos à tarde. Faustão e Gugu acompanham em tempo real o número de pessoas que os assiste, e cada quadro têm sua duração determinada pelo número de televisores ligado no canal naquele instante.
Esta luta semanal, que já dura anos, não gerou nenhuma melhoria na programação. Ambos os programas continuam com quadros muitos semelhantes e sem nenhuma mudança na linha, no conceito ou algo que percebamos enquanto variação de qualidade.
Assim, se apresenta um novo fator: Você quer ser admirado por quem? A quem interessa sua fama? Quem são as pessoas que realmente são importantes? As palmas de apenas um Einstein valem mais que as palmas de toda Gaviões da Fiel? Ou vice-e-versa? Isto altera alguma coisa em o projeto de ser admirado?

A maioria das pessoas busca um aplauso da figura paterna ou materna. Nossos pais são nossa referência, nossos preceptores. Toda criança busca aceitação, e esta criança ainda reside dentro de nós. Ela convive, quando somos adultos, com o adolescente que nega tudo. Assim, temos dois movimentos antagônicos convivendo dentro de nós mesmos. Se por um lado nosso eu infantil quer ser admirado e aceito, nosso eu adolescente quer ser diferente daquilo que esperavam que fôssemos. De certa maneira, parte da construção de nossa maturidade passa por conviver com estas duas forças. E conviver não significa apenas não sentir as emoções, negar estes desejos latentes por aceitação ou rejeição, mas sim saber que eles existem e conviver com serenidade quando eles se apresentam.
Não podemos simplesmente observá-los de longe, como uma energia externa a nós, como ecos de um passado mais ou menos longínquo. Elas são parte de nós, e podem ser aproveitadas para nos impulsionar, ir em direção a algo que seja importante para nós. O que é importante, neste momento, é fazermos o adulto dentro de nós entender a busca e determinar o caminho, e trazer esta criança e este adolescente que residem dentro de nós para gerarem o impulso e a energia necessária para trilhar este caminho. De certa maneira estas duas pulsões são como o funcionamento do coração: Sístole e Diástole, impulsão e retração. Não dá para crescer apenas num sentido, são necessários os dois movimentos para que o coração funcione. Estamos falando, em suma, das razões para ser admirado. Se você não tem uma razão para ser admirado, a único resultado será uma adulação do ego, algo que fará momentaneamente bem para o espírito, mas não terá resiliência, não estará direcionado a um objetivo claro, e apenas servirá para atrapalhar seu caminho, ao invés de potencializar o atingimento de seus objetivos.

A admiração dos outros pode ser muito boa para fortalecer certezas e ampliar o campo de ação, mas dificilmente trará bons resultados se for um fim em si mesma.

Friday, September 16, 2005

Kung Fu Style

Intrigantes caminhos do cinema da Ásia e da América do Norte.
Kitano e Tarantino

Alessandro Bender

Confesso que não assisti ao Kill Bill 2. Confesso também que achei muito chato o Kill Bill 1. Muitos amigos meus disseram que só entenderei e acharei legal o 1 quando assistir o 2, mas desta vez deixo passar e agradeço o conselho.

Kitano e Tarantino são dois cineastas que trabalham com a violência. Não querem discutir a violência, sua vertente estética á a violência. Muito diferente de Sam Peckinpah, que trazia a questão da violência para dentro de seus filmes. A explosão da energia contida, não canalizada adequadamente, conflitos internos. Violência em Peckinpah é pulsão, explosão.

Tarantino é a essência do Fake, da violência como Farsa. Extrapola a dimensão para atingir um grau quase cômico, uma sensação de "Ora bolas, isto aqui é apenas entretenimento, e o sangue sempre foi catchup". Alguns lêem como uma crítica ao entretenimento. Honestamente não acredito. É a mesma lógica de alguns cineastas ditos "marginais" no Brasil quando faziam filmes recheados de mulher pelada e que pretendiam inserir uma "mensagem" por trás daquilo.
Quem assiste filme de mulher pelada quer mulher pelada. Com ideologia ou não. Este papo de crítica social, uso da linguagem popular, tudo bobagem. Não vai ser através deste meio que alguma reflexão será disparada. Não funcionou como crítica no Brasil das Embrafilmes, não funciona criticar a indústria do entrentenimento de dentro dela, como querem alguns críticos do Tarantino.
Acho que Tarantino, como todo ser humano, gosta de conforto, de ser assediado e de receber aplausos. Para alguém que começou como funcionário de videolocadora, a oportunidade de namorar a Uma Thurman em Cannes é mais saborosa que ficar fazendo crítica e correr o risco de voltar para a locadora. Este tipo de risco só passa na cabeça de quem tem algo a falar.
Desde o Cães de Aluguel Tarantino tem feito bons filmes de entretenimento. Ele sabe conduzir bem a platéia e traz um sabor diferente, muito marcado pela produção televisiva, seriados baratos e antigos. Tarantino é uma espécie de visionário do movimento atual de culto aos anos 70,80, bem ao gosto dos 80's Trash fans.
A busca pelo trash, pelo estilização do mau-gosto tem alguns predecessores, como o Roger Corman, que fez coisas maravilhosas com gosto de Anti-Grease, um TransGrease na verdade, além do Over.
Mas Corman tem um foco diferente do de Tarantino. Existe uma espécie de saudosismo, de tentar voltar no tempo, como se fosse possível reviver algo que não existe mais.

Semana passada tive a oportunidade de assistir ao Zatoichi do Takeshi Kitano. Não sei se recomendo asistir o filme. Eu gostei muito, e acho que existe um contato interessante com a produção de Tarantino.

Zatoichi é um filme ambientado no Japão feudal, bem ao estilo de filmes de Kung Fu baratos dos anos 70, bebendo de certa forma na mesma fonte que Tarantino bebe.
Mas o que interessa nesta história cheia de lutas e de sangue é o ruído que Kitano traz à narrativa. Existem alguns elementos que não concatenam com o "tradicional filme de karatê" esperado. Primeiro o fato do protagonista - Zatoichi - ser um massagista cego. Não me lembro de nenhum personagem assim. E ele, apesar de ser chamado de massagista por todos os personagens, apenas em uma cena ele faz massagem, durante alguns segundos. Ser massagista, no caso, não interessa nem faz parte da trama. Não há conexão nenhuma no roteiro, nem isto o faz mais ou menos perante as circunstâncias. Ele poderia ser padeiro ou jogador de futebol, que nada mudaria na história.
Mas aí vem o reforço de ser cego. Junto ao fato de ser massagista, o fato de ser cego fragiliza a figura do protagonista, que inclusive não tem nenhuma atitude digna de admiração ou de destaque. Eis aí nosso anti-herói. Porém, para a tradição cinematográfica ocidental, anti-herói e outsider são quase sinônimos. E no caso de Zatoichi, outsider está mais para personagem sem importância. Eu chegaria a dizer que Zatoichi é "bonzinho", no que há mais de pejorativo no termo. E a última coisa que um Outsider ocidental poderia ser é "bonzinho".
Outro elemento importante e curioso é a trilha sonora e algumas cenas coreografadas. Existem alguns agricultores no filme que, sem razão aparente "batucam" suas enxadas como uma banda como o Stomp ou os Barbatuques brasileiros. É um ritmo contemporâneo, que destoa do resto do filme e não pontua nada. Não há razão aparente para eles batucarem ou não. De vez em quando a câmera flagra estes personagens sem importância na narrativa e simplesmente deixa-os executar alguns malabarismos sonoros, e o filme continua depois, ponto.
Há algo de intrigante e esquisito na construção de Kitano. Mais do que algo preciso, parece um ruído, um chiado mental, que não conecta, não dá fluidez e andamento ocidental, e pelo que me parece, nem oriental.
É aquele momento em que nos perguntamos se o autor está fazendo aquilo de propósito ou se o cara é ruim mesmo. Bobeou a montagem ficou tosca e alguém deixou passar.
Mas não parece ser o caso do Kitano. São muitos elementos, pequenos é verdade, mas muitos, durante o filme, que levam o espectador para fora da trama, fora do formato. Arestas mal-aparadas.

Meu gosto particular - Acho ruído e sujeira muito interessante, quase como um discurso da imperfeição, do não funcional, do Ghost in Machine misturado ao belo que vemos no artesanal.

No final do filme Kitano explicita sua atitude - O filme, que é todo ambientado no império Edo, vira um musical e todos os atores ficam sapateando uma música ocidentalizada enquanto o letreiro passa. Chorus Line. Ponto. Assume-se a farsa, o que era ruído se torna padrão, a exceção vira a regra e obriga o espectador a reler o filme inteiro, ou odiar o Kitano para todas as próximas reencarnações. Mais do que isto, no último suspiro do filme o personagem comete um deslize que rompe com a construção esquisita do massagista bonzinho bom de luta. Se ele cometesse este erro durante qualquer momento anterior, o filme simplesmente desandaria de vez, pois a única habilidade que ele tinha ele deixa de ter. Depois de construir um personagem imune a tudo, Kitano apresenta uma vulnerabilidade banal que literalmente o derruba.

O foco de Kitano é na desconstrução do arquétipo, enquanto o foco de Tarantino é o Overacting do Estereótipo do filme japonês, do karatê e coisas do gênero. Como se Tarantino estivesse preso dentro de seu modelo e precisasse, de alguma maneira, ampliá-lo. Mas só conseguisse inchá-lo até o limite do insuportável.

O que parecem ser duas pontas de um mesmo trajeto - Um ocidental em direção ao Oriente e vice-e-versa acaba sendo uma categorização da ausência de diálogo entre estes dois mundos.

Kitano, como Tarantino, são representantes no mainstream do que é chamado cinema alternativo, diferente, estranho, e evidentemente violento. Mas não há semelhança nenhuma entre as violências cinematográficas dos dois.

Friday, December 24, 2004

2004 - O Resumo da Ópera

2004 – O Resumo da Ópera

Alessandro Bender

Resumir 2004 é fácil: Foi bom mas foi ruim. Foi difícil mas foi gratificante.

No começo deste ano assistia a um documentário na televisão quando vi um testemunho de um idoso imigrante japonês sobre as diferenças que existiam entre a vida no Japão e no Brasil.

No Japão, existe o Sim e o Não. Quando vim para o Brasil, aprendi que aqui é diferente. Às vezes pergunto para um funcionário se ele terminou uma tarefa e ele me responde: Mais ou Menos...

Como na história do copo com água pela metade (ele está meio cheio ou meio vazio?), somos o país do “Mais ou Menos”.

Para aqueles que querem determinar a verdade absoluta, o certo e o errado, o bom e o ruim, é uma situação terrível. Todas as vezes que estes absolutistas da verdade tentam estabelecer parâmetros inquestionáveis, alguma coisa dá errada. No caso dos economistas então, correm o risco de serem tão levados a sério como a cigana da esquina. Cá entre nós, acredito em ambos, e acho que é nesta mistura que levamos vantagem.

Michel Serres, quando esteve no Brasil, falou que temos uma vantagem enorme se comparada a todos os outros países. O filósofo francês disse que o Conhecimento é miscigenado, é a mistura de duas idéias puras que se fundem num conceito híbrido. E que nós, brasileiros, somos miscigenados por natureza. Daí nossa criatividade.

Mas curiosamente não aceitamos facilmente esta condição de nobres Vira-Latas Mais ou Menos. É como se não fosse aceitável viver assim. Como se apenas fosse possível nadar em águas transparentes e cristalinas. Como se fosse necessário para tudo a regra pétrea da lei: Ou É ou Não É.

Por que o Brasil precisa crescer? Para onde o Brasil precisa crescer? Somos uma nação com fome ou uma nação que não se alimenta direito? Quando “ficamos” com alguém por mais de três meses temos de mudar nossa condição de Ficante para Namorante? Se namoramos por mais de um ano precisamos mudar nossa condição para Noivante, ou Casante?

Já repararam nos novos ditados populares? Eles explicam muita coisa:

Tirando o que está ruim, o resto está ótimo;

É bom mas é ruim;Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa;

Nós, os que não temos certeza, que aceitamos o meio-termo, os diplomatas, pensadores, humanistas, amadores humanos, construímos nossas indecisões e viralatices da observação de nossos pares. Aceitar a diversidade é enxergar o mundo além de nossos próprios olhos, se dar ao luxo de discordar de si mesmo, e crescer. Sem se preocupar para onde, e por que. Apenas crescer.

Não há mérito, não há justiça. Há sim, um monte de gente tentando ser feliz. E esta felicidade depende de poucas coisas:

De aceitar o Mais ou Menos e entender que quase tudo na vida é processo;

De saber que o copo não enche nem esvazia nunca, e muito do que achamos que é ruim ou bom na verdade é fruto de nossa percepção e não de uma verdade inerente que emana daquilo que enxergamos;

De que não precisamos entender o funcionamento da vida para vive-la;

De que os avanços da ciência não vão fazer com que não deixemos de morrer a cada dia;

De que só se vai para frente se desequilibrarmos e soubermos administrar nosso desequilíbrio. Um bom corredor é aquele que sabe orientar seu desequilíbrio em altas velocidades;

De que não precisamos ter pressa, já que não sabemos para onde vamos;

De que mesmo que descubramos para onde vamos, quem disse que estamos todos indo juntos, e na mesma direção?

Que 2005 seja um ano de muitas viralatices para todos! E que nossa percepção deste copo que é a nossa vida seja sempre que está mais cheio que vazio.